Em qualquer circunstância, as declarações de Lula equiparando a ação de Israel a um genocídio ou, ainda pior, comparando-a com o Holocausto são indefensáveis e revelam um componente antissemita no discurso presidencial, o que causou justo repúdio pelo governo de Israel, pela comunidade internacional e pela maioria da população brasileira que não compartilha a simpatia de Lula pelo Hamas ou com as falas antissemitas.

O Holocausto, a política de extermínio do povo judeu, com 6 milhões de vítimas, adotada pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, não pode ser comparada a nada. É a essência do mal. Não há comparação possível com as vítimas do atual conflito, nem em termos numéricos, nem em igualdade de propósito. Os nazistas buscavam o extermínio do povo judeu, enquanto as mortes ocorridas na guerra atual, a população civil atingida na Faixa de Gaza, embora deploráveis, constituem o resultado de um conflito urbano, sem qualquer intenção de genocídio.

Mas esse é o mais recente exemplo, o mais gritante, de que a diplomacia perseguida pelo governo do PT está alinhada a valores que não são aqueles consagrados na Constituição brasileira, tampouco são compartilhados pela imensa maioria da população de nosso país.

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Outro exemplo consiste na posição adotada por Lula em relação à guerra promovida pela Rússia contra a Ucrânia. No último dia 24 de fevereiro, a guerra completou dois anos. A Ucrânia, a duras penas, tem conseguido resistir ao exército invasor. Tem tido dificuldade em obter apoio mais efetivo das democracias ocidentais, especialmente o armamento de que necessita. O Congresso norte-americano tem sido relutante em aprovar novo plano de auxílio, embora o Senado tenha recentemente aprovado ajuda financeira substancial (US$ 61 bilhões), ainda havendo dúvida se a Câmara irá ratificá-lo.

No Brasil, os dois anos da guerra não mereceram do governo Lula nem uma frase sequer de solidariedade. Ao contrário, em um símbolo negativo, Lula recebeu, no dia 22, o chanceler russo, Sergei Lavrov, em Brasília, e não consta que tenha, de qualquer modo, reprovado a invasão. O Brasil ainda aumentou o comércio com a Rússia no último ano, e Lula tem dado declarações de que Putin seria bem-vindo no Brasil, mesmo sendo ele alvo de mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra. É ainda ilustrativo que Lula não demonstre a mesma receptividade com Volodymyr Zelensky, o presidente da Ucrânia, ou com o chanceler ucraniano, não se dispondo, desde o início de sua gestão, a recebê-los no Brasil.

Agravando o quadro, o mundo foi surpreendido pela morte na prisão do dissidente russo Alexei Navalny no último dia 16 de fevereiro. O Brasil, inicialmente, manteve-se silente. Lula, quando falou, recusou-se a condenar a Rússia, sugerindo ser necessário aguardar as apurações pelas próprias autoridades russas da causa da morte. Ora, Navalny foi preso arbitrariamente, havia antes sido vítima de envenenamento, e agora foi morto, em circunstâncias obscuras, em uma prisão russa. Seu único crime foi se opor a Putin e há fundada suspeita de que tenha sido vítima de assassinato político.

Se o governo Lula tem valores tão deturpados, a ponto de não sentir constrangimento em assumir tais posições no plano internacional, quem garante que não começará, na política interna, a adotar medidas próprias das autocracias?

A cereja da diplomacia antiocidental consiste na posição assumida pelo Brasil em relação às arbitrariedades da ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela. Ano ado, Lula recebeu o tirano de Caracas com pompas no Palácio do Planalto. Maduro rompeu o Acordo de Barbados, no qual havia assumido compromisso de garantir eleições livres na Venezuela no corrente ano. Não só inabilitou arbitrariamente o principal nome da oposição, María Corina Machado, a participar das eleições; a polícia venezuelana também voltou a prender opositores políticos e inclusive representantes de ONGs denunciantes das violações aos direitos humanos naquele país. Membros do Mercosul, como Uruguai, Argentina e Paraguai, denunciaram em conjunto o arbítrio, enquanto o Brasil manteve-se silente. Aparentemente, Lula está satisfeito com a fictícia “democracia relativa” na Venezuela.

É triste assistir ao Brasil alinhando-se, no plano internacional, a ditaduras, afastando-se das democracias ocidentais e da tradicional defesa dos direitos humanos. Não, o Brasil não deve ser polícia do mundo, não temos como nem por quê assumir esse papel. Outra coisa é assumir a posição contrária, alinhando-se ao polo antidemocrático. A grande pergunta é: se o governo Lula tem valores tão deturpados, a ponto de não sentir constrangimento em assumir tais posições no plano internacional, quem garante que não começará, na política interna, a adotar medidas próprias das autocracias? Lembro que muitos atribuem a queda do Estado Novo à contradição decorrente do ingresso do Brasil na Segunda Guerra ao lado das democracias ocidentais. A vitória da democracia no plano mundial contaminou positivamente a política interna e levou à derrocada da ditadura Vargas. Não estaremos dando os na direção contrária atualmente? Não há risco de a política interna ser contaminada pela externa? São perguntas que não querem calar.