Como sempre lembra Raul Juste Lores, jornalista especializado em arquitetura e urbanismo, Paris e Barcelona são cidades mais densas do que Nova Iorque. A grande metrópole dos Estados Unidos é famosa pelos prédios altos, mas tem menos moradores por metro quadrado do que cidades europeias famosas pelos seus predinhos. Isto nos mostra que edificações baixas e próximas umas às outras podem ter mais moradores do que prédios imensos.

A mesma realidade aparece nas cidades brasileiras. Em São Paulo, os bairros mais densos não estão na região da Faria Lima ou em um bairro nobre formado por prédios. A periferia, com autoconstruções precárias e irregulares, apresenta densidade superior à dos bairros prediletos das construtoras.

É sintomático que um dos prédios mais altos de São Paulo, inaugurado este ano, sirva como residência para cerca de 50 famílias. Num terreno de tamanho similar, o Copan serve como residência para 5 mil pessoas. A diferença é que, no Copan, a construção ocupa quase todo o terreno. No arranha-céu recém-inaugurado, uma torre fina e alta é cercada por um muro de proteção. O resto do espaço é dedicada a um imenso playground onde os moradores podem se isolar da cidade em paz.

Há uma última diferença, é claro: o Copan é um marco arquitetônico que eleva a importância de São Paulo pelo mundo. O edifício será lembrado por décadas, talvez séculos. Nos anos 1950 e 1960, os paulistanos foram pródigos na arte de construir, com diversos edifícios que fizeram fama nos círculos da arquitetura internacional. Em “Sampa”, Caetano lembra a “dura poesia concreta das suas esquinas” ao exaltar São Paulo.

O arranha-céu de 2021 deixa um muro como legado para a cidade e segue a forma-padrão dos edifícios de luxo no Brasil atual. Não é motivo de orgulho para os paulistanos. Muitos usam o caso para lembrar como a iniciativa privada é um desastre ético e estético. Bobagem: o Copan, o tão celebrado Copan, também foi construído por empreiteiros interessados no lucro. O que diferencia os dois prédios é a regulação vigente em cada época – ou seja, o coração do problema está no setor público.

Desta forma, é pouco produtivo discutir se a verticalização é boa ou ruim. De qual verticalização estamos falando? Um prédio alto gera externalidades para toda a cidade, começando pela interferência na paisagem e a sombra gerada pelo edifício. Portanto, mesmo que a verticalização seja uma ferramenta útil para democratizar a cidade, ela precisa ser utilizada com inteligência e prudência.

Como saímos do Copan para um arranha-céu murado e tão questionável? É importante refletir sobre o tema, assim como é natural que urbanistas e burocratas tentem fugir desse debate. Afinal, se discutirmos o assunto, corremos o risco de descobrir que a decadência ética e estética é um problema que percorre diversos setores da elite brasileira, indo muito além das construtoras.

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