O comércio de rua e as calçadas 5jo4c
Fora dos shoppings, o comércio das grandes cidades é dito “de rua”. Na maioria das cidades pequenas brasileiras, se um comerciante resolver abrir negócio voltado apenas a consumidores ricos, dificilmente terá sucesso. A explicação é demográfica: não havendo uma quantidade relevante de ricos, não há clientela para manter o negócio.
Assim, só em metrópoles é razoável esperar que exista um leque de espaços comerciais a serem frequentados exclusivamente por gente rica, sem que o cliente divida o espaço nem uma vezinha com um favelado. Por outro lado, dentro de uma cidadezinha, o magnata que resolvesse almoçar fora fatalmente iria para um restaurante onde moradores de favela põem os pés (nem que seja só em almoço de domingo). Afinal, um restaurante exclusivo para ricos nessas cidades é inviável economicamente.
Comércio de rua, em metrópole, permite que a gente de apartamento viva somente com gente de apartamento, em bolha. Se tiver relação cordial com alguém de classe diferente, será com funcionários.
Vamos por fim à rua comum. Seja por temer assaltos ou por causa do status do carro, a gente de apartamento em geral faz o possível para não pôr o pé na rua. Em bairros endinheirados, há uma profusão de mendigos nem sempre amigáveis na cola do pedestre. Se estiver escuro, muita mulher fica com medo. E quando se demonstra medo, já era – mendigos agressivos e trombadinhas fazem a festa, deixando de lado a regra básica de não roubar morador.
Daí resulta que carro se torna uma “necessidade” para andar daqui para ali desacompanhada. Uma vez transformado em necessidade, carro vira hábito e a gente de apartamento entra nessa espécie de cápsula que priva do contato com a rua e despeja dentro de um local conhecido. Com os aplicativos, até jovens pé rapados mantêm a pose e andam de carro para lá e para cá, com um cartão providenciado pelos pais.
Aos poucos, as pessoas se dão menos a chance de conhecer mais a vizinhança, o dono da banca de revista, o verdureiro. Se for comprar um pão tête-à-tête com o padeiro, sem usar o aplicativo de entrega, poderá enfiar a cara no smartphone e prestar o mínimo de atenção possível à realidade à volta.
No fim, essa gente vai ficando cada vez mais alienada e, com isso, cada vez menos capaz de cordialidade. Afinal, como ser cordial com o taxista, se antes mesmo de olhar para a cara dele você já aprendeu na Internet que quem tem tais opiniões é genocida?