Mas, mesmo nas cidades onde há delegacias da Mulher, também há dificuldades. As unidades não funcionam 24 horas por dia, por exemplo. “Queríamos que todas funcionassem o tempo todo, com um horário de plantão durante a madrugada. Quando é fora do horário, o primeiro atendimento é feito por uma delegacia comum”, explicou ele. 4s6229

O delegado também chama atenção para o volume de trabalho dentro das delegacias da Mulher em função do atendimento a vítimas de violência doméstica, crime que pode anteceder o feminicídio. “Estou à frente da divisão de delegacias especializadas e posso dizer que o volume de trabalho nas delegacias da mulher é o mais alto”, observou Macorim.

Ele chama atenção para a quantidade de medidas protetivas aplicadas pela Delegacia da Mulher em Curitiba, onde atuam somente três delegadas: somente nos dois primeiros meses de 2020, foram autorizadas 885 medidas protetivas. Em São José dos Pinhais, na região de Curitiba, foram 181 medidas protetivas, também somente entre janeiro e fevereiro últimos.

Macorim afirma que hoje há um grupo de estudo sobre feminicídio para desenvolver “protocolos de atendimento” nas delegacias de mulher. A ideia é uniformizar e agilizar o atendimento.

Fora dos registros 4bs4x

Em entrevista à Gazeta do Povo, a promotora de Justiça Ticiane Louise Santana Pereira, que atua no Tribunal do Júri de Curitiba, acrescenta outras considerações sobre os números de feminicídio no Paraná. Ela lembra, por exemplo, que os números não incluem os casos nos quais o autor do crime de feminicídio comete suicídio.

“É uma situação que tem sido observada no Paraná e no Brasil todo. Existem muitos autores de feminicídio que, ao praticarem o feminicídio, depois se matam. Não há um índice oficial, porque não chega nem a virar um inquérito policial, porque o autor está morto. Não existe uma aba nas estatísticas oficiais que mensure esta condição”, lembrou ela.

A promotora de Justiça também aponta para a importância do processo de investigação. “Há definições que ainda poderão desembocar em feminicídio. Por exemplo, no contexto de evento de trânsito, num contexto de tráfico de drogas. É possível que depois se descubra que quem atropelou aquela mulher foi o ex-namorado dela. Ou, quando ela foi comprar uma droga lá na boca do tráfico, tenha havido um contexto expressivo de gênero. Os indicadores de contexto de feminicídio em geral são muito claros, mas tem outras situações que não”, ponderou ela.

Histórico 69396s

Para Ticiane Louise Santana Pereira, não só a Lei do Feminícidio (Lei 13.104/2015), mas também a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), são marcos importantes do “despertar do poder público para o fenômeno da letalidade feminina”.

“Nós temos desde 2006 um diploma legislativo que nos alertou de que nós vivíamos sob esta cultura machista, que estava velada, que estava entranhada na forma de agir de todas as esferas de poder, seja da polícia, de investigadores, seja de membros do MP, de juízes e advogados. Um exemplo clássico é o da própria Maria da Penha, quando ela tomou um tiro nas costas. A investigação, em 1983, se voltou para a tentativa de latrocínio. Ouviram o marido, que era o autor do fato, e que disse que um ladrão entrou na casa e fez aquilo. A cultura era bastante voltada para a não identificação do óbvio”, afirmou a promotora de Justiça.

Nos anos seguintes, lembra ela, a letalidade feminina foi ganhando mais atenção dos legisladores. “Na Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CMPI) que tratou da letalidade feminina, entre 2012 e 2013, levantou-se que de cada dez cadáveres femininos por morte violenta, sete eram vítimas de uma única situação, a violência doméstica. Apenas 30% estavam contingenciados nas estatísticas que colhem os homens, que são violência urbana, suicídio, disputa latifundiária, evento de trânsito, envolvimento com o narcotráfico. A causa da letalidade masculina é difusa. A feminina, em 70%, já é situada”, reforçou ela.

Pela Lei do Feminicídio, a qualificadora é devida em todos os casos de homicídio da pessoa do sexo feminino em contexto de violência doméstica ou de menosprezo à condição de mulher.

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