O acordo assinado no sábado pede reduções “rápidas, profundas e sustentadas nas emissões de gases do efeito estufa, incluindo de dióxido de carbono em 45% até 2030, em relação ao nível de 2010, e para zero em meados do século”. Cumprir tal meta a necessariamente por um corte drástico no uso de combustíveis fósseis como carvão e petróleo; o documento fala em “acelerar o desenvolvimento, implantação e disseminação de tecnologias e a adoção de políticas para a transição para sistemas de energia de baixa emissão, incluindo o aumento rápido da implantação de geração limpa de energia e medidas de eficiência energética” e em “reduzir” o uso dos combustíveis fósseis, e é aqui que as divergências se acentuam.
Obviamente, países produtores de carvão e petróleo, como Austrália, China, Rússia e Arábia Saudita não aceitariam pacificamente políticas que desvalorizem sobremaneira suas commodities. Em um sinal do Zeitgeist corrente, tais nações não foram capazes de retirar do acordo a menção aos combustíveis fósseis – o máximo que conseguiram foi trocar um “eliminar” por “reduzir”. Mas este não é o principal problema. A corrida por energia limpa é de suma importância, mas a marginalização imediata do combustível fóssil deixará para trás inúmeras nações mais pobres que, para se desenvolver, dependem dessa energia – que, se não é tão barata quanto a hidrelétrica, por exemplo, ainda custa menos que todas as demais opções “verdes”. São nações que, sozinhas, não serão capazes de fazer a transição para uma economia de baixo carbono sem ameaçar seu crescimento. E mesmo a busca por energia limpa não é isenta de controvérsias, como no caso da energia nuclear.
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E o mundo desenvolvido já mostrou que não tem tanta disposição de colaborar com o resto do planeta: os investimentos prometidos em conferências anteriores – especialmente a COP-21, de 2015, na qual surgiu o Acordo de Paris – não vieram na quantidade necessária, a ponto de o documento da COP-26 incentivar os países ricos a “pelo menos dobrar a provisão coletiva para o financiamento de adaptação climática de países em desenvolvimento dos níveis de 2019 até 2025”. Em Glasgow, Estados Unidos e União Europeia bloquearam o uso de parte do dinheiro movimentado no mercado de carbono para financiar a adaptação de países mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas.
O dilema, portanto, continua: sem envolver também a transição energética nos países pobres e emergentes, qualquer meta de “descarbonização” do planeta não tem como ser atingida. E tais países não serão capazes de realizar a transição cobrada por ambientalistas e por alguns governos sem ajuda financeira do mundo desenvolvido. É ilusório crer que uma nação pobre aceitará ser mantida no subdesenvolvimento eterno para cumprir metas ambientais impostas de fora. No enfrentamento da crise climática, a cooperação, princípio importante do sistema internacional, tem sido mais pregada que praticada até o momento. O mundo já viu muitas promessas e os anúncios de metas como os feitos na COP-26; falta ver tanta sinalização de virtude transformada em ação real.