Que existe atualmente uma hipererotização dos adolescentes parece estar fora de dúvida, e para vários dos críticos da proposta de Damares isso nem mesmo chega a ser um problema. Nisso, não fazem mais que seguir os mentores intelectuais do Maio de 1968, que chegaram a pedir, em 1977, a legalização de todas as relações sexuais entre adultos e adolescentes abaixo de 15 anos na França. Filósofos como Michel Foucault, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Jacques Derrida, Gilles Deleuze e Roland Barthes argumentavam que mesmo pré-adolescentes deveriam ter o direito de fazer sexo com quem quisessem. O debate tinha como objetivo legalizar a pedofilia no país, mas para isso o caminho adotado pelos filósofos (a maioria deles de esquerda) foi tornar as crianças e adolescentes “sujeitos sexuais” em nada diferentes dos adultos, com direito a buscar a felicidade e a realização por meio da liberação sexual.
O ambiente cultural atual, que vai de sutis produtos de entretenimento direcionados aos adolescentes até o sexo explícito das letras dos bailes funk (gênero que vários políticos querem transformar em patrimônio cultural), pode não ter o refinamento intelectual dos filósofos ses, mas parte do mesmo ponto. A mensagem é basicamente idêntica: ser sexualmente ativo é uma escolha livre de qualquer adolescente, algo trivial, benéfico e libertador. Na verdade, o estranho, o incomum, o bizarro, seria não fazer essa escolha.
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Ora, quando os críticos do incentivo à abstinência acusam o Estado de estar usando posições morais como embasamento para políticas públicas, ignoram (ou pretendem ignorar) que todo o exposto acima também manifesta uma avaliação moral a respeito da atividade sexual. Se um governo prioriza a oferta indiscriminada de preservativos, pílulas e DIUs a adolescentes, baseando nisso suas políticas de enfrentamento à gravidez precoce e às doenças sexualmente transmissíveis, também envia uma mensagem de cunho moral: a de que não há nada de problemático na atividade sexual durante a adolescência, desde que daí não resulte uma gravidez ou uma doença. E, se esta avaliação moral pretende ser vista como legítima, também o deve ser a posição que defende o adiamento do início da vida sexual, baseada em uma série de considerações filosóficas, antropológicas, médicas e psicológicas. É uma falácia considerar que a simples redução de danos é moralmente neutra, enquanto outras propostas são “ideológicas”; ambas são igualmente fruto de concepções morais, e por isso não se pode rechaçar de antemão a promoção da abstinência com base em uma suposta “neutralidade moral” do Estado. Além disso, as duas políticas são meramente propositivas, não impositivas: trata-se de sugerir comportamentos, não de impô-los. A liberdade dos jovens continua preservada para que façam o que julguem ser melhor para si mesmos.
Por fim, resta o argumento da ineficácia do incentivo ao adiamento da vida sexual. Se o ambiente atual praticamente empurra o adolescente para a atividade sexual precoce, isso quando não o ameaça com o ostracismo social caso não siga a tendência da turma, não há como resistir a essa onda erotizante, afirma-se. Os jovens invevitavelmente se tornarão sexualmente ativos e a sociedade não tem nada mais a fazer a não ser encher suas mãos de contraceptivos para que não engravidem ou não adoeçam. Esse raciocínio esconde dois equívocos graves, o primeiro deles a respeito da própria natureza do jovem.
Os adolescentes e os jovens, com seu característico idealismo, anseiam por grandes ideais e os abraçam quando são expostos a eles
Quem critica a defesa da abstinência afirmando que ela “não funciona” trata o jovem como um ser incapaz de ter vontade própria, cegamente obediente aos instintos, não muito mais que um animal reprodutor. Em tempos nos quais “empoderamento” virou uma palavra mágica, nega-se a possibilidade de o adolescente empoderar-se dizendo “não” ao impulso erotizante. Mas isso está muito longe da verdade. Os adolescentes e os jovens, com seu característico idealismo, anseiam por grandes ideais e os abraçam quando são expostos a eles. O respeito pelo parceiro e a compreensão de que o sexo, como expressão fundamental do amor humano entre homem e mulher, exige maturidade não são um idioma incompreensível ao jovem de hoje. Uma vivência sadia da sexualidade, no momento certo, é uma proposta que os adolescentes têm o direito de ouvir, ao contrário do que argumentam aqueles para os quais os jovens não am de máquinas sexuais sem capacidade de pensar por conta própria.
Além disso, o sucesso de movimentos que usam o slogan “escolhi esperar” e os indicadores de países que adotaram a promoção da abstinência – normalmente, como estratégia contra a epidemia de Aids – mostram justamente o contrário do que dizem os críticos. Isso é tão evidente que só mesmo a cegueira ideológica explica a insistência daqueles que se recusam a enxergar os resultados. O médico Raphael Câmara expôs, em artigo recente nesta Gazeta do Povo, alguns dos estudos sobre o tema, mostrando que os benefícios do incentivo à abstinência já são verificados pela literatura científica. Da mesma forma, a longa experiência do pesquisador Edward Green, da Universidade de Harvard, narrada pelo colunista da Gazeta Flávio Gordon, mostra como iniciativas africanas tiveram enorme sucesso e só começaram a falhar quando a promoção da abstinência voltou a ser negligenciada.
Tanto o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos quanto o Ministério da Saúde já adiantaram que a promoção da abstinência virá como estratégia complementar. Os adolescentes continuarão tendo à disposição os métodos contraceptivos atualmente oferecidos pela rede pública, caso optem por ter relações sexuais. A diferença é que, em vez de serem meros objetos de políticas de redução de danos, agora eles serão tratados também como sujeitos pensantes: ouvirão que há uma alternativa à mera rendição ao ambiente hipersexualizado, e que são capazes de escolher resistir a ele – uma opção que não pode ser negada aos jovens brasileiros.