Depois de dois aviões militares russos terem desembarcado perto de Caracas este mês, o governo Trump emitiu alertas sobre os laços do ditador Nicolás Maduro com o Kremlin. Mas um navio que chegou às águas da costa caribenha da Venezuela no dia anterior ofereceu um sinal mais revelador de um relacionamento cada vez mais profundo que é muito alarmante para Washington.

A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo conhecidas do mundo, com o transporte e as vendas do seu petróleo bruto dependentes de diluentes químicos adquiridos nos Estados Unidos. Depois que Washington proibiu as empresas americanas de vendê-los à Venezuela em janeiro – e advertiu empresas estrangeiras a fazerem o mesmo – Maduro enfrentou uma situação terrível: como ele evitaria o colapso total do setor?

Como maná de Moscou, chegou uma resposta na forma de um petroleiro vermelho e preto, o Serengeti, que se abasteceu com uma carga de diluentes na costa de Malta antes de chegar à Venezuela em 22 de março. A empresa que fretou a embarcação: a estatal russa de petróleo Rosneft.

"As relações entre a Rússia e a Venezuela são excelentes", disse Alexey Seredin, ministro conselheiro da embaixada russa em Caracas, em uma entrevista. "No momento, estamos trabalhando para fortalecer a cooperação."

A chegada de diluentes vitais é apenas uma parte de uma expansão da presença russa na Venezuela. Moscou está despachando militares e equipamentos e está agindo para compensar as sanções dos EUA ao transportar petróleo bruto venezuelano para a Índia para processamento. O Kremlin está pronto para aumentar as vendas de trigo e despachar mais ajuda médica. Neste mês, a Venezuela também anunciou a abertura em Moscou de uma sede regional para a PDVSA, sua gigante estatal de petróleo.

Na próxima semana, disse Seredin, uma delegação do regime de Maduro chegará a Moscou para discutir investimentos russos nos setores de mineração, agricultura e transporte da Venezuela. Seredin acrescentou que a chegada de 99 militares russos em 23 de março foi parte de um esforço para manter o aparato de defesa de Maduro, que inclui caças Sukhoi e sistemas antiaéreos comprados da Rússia.

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Em um evento televisionado na sexta-feira, o ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino López, inaugurou um "Centro de Simulações de Voo da Força Armada" para helicópteros russos.

"Este centro, e dizemos humildemente, só pode ser encontrado na Venezuela e na Rússia", disse ele.

Ele também anunciou planos para um simulador russo Sukhoi MK2 na cidade venezuelana de Barcelona, ​​e insistiu que uma planta há muito adiada para a produção de fuzis russos abriria em breve em Maracay.

Relações Washington-Moscou

Em uma era de laços geralmente calorosos entre o governo Trump e Moscou, o envolvimento cada vez mais profundo da Rússia na Venezuela está criando um ponto crítico ao desafiar o esforço dos EUA para forçar Maduro a deixar o cargo.

O presidente Donald Trump disse na sexta-feira que provavelmente conversará com o presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente chinês, Xi Jinping, sobre a crise na Venezuela. No início do dia, o conselheiro de segurança nacional John Bolton foi mais crítico, emitindo uma declaração condenando a "introdução de soldados e equipamentos militares russos na Venezuela" como um ato "provocativo" e uma "ameaça direta à paz e segurança internacional na região".

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Elliott Abrams, o enviado americano especial para a Venezuela, declinou na sexta-feira comentar a sugestão de Bolton de intervenção militar.

"Há muitas coisas que podemos fazer em termos econômicos, em termos de sanções", disse Abrams a repórteres em Washington. "Temos opções, e seria um erro os russos pensarem que podem fazer de tudo. Eles não podem."

Com mais de 50 nações reconhecendo o líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como líder legítimo da Venezuela, Maduro está istrando o novo status de pária do país, operando em grande parte fora dos sistemas ocidentais de comércio e finanças, enquanto se volta para a Rússia e, em menor escala, para a China e a Índia.

O apoio da Rússia a Maduro em face do esforço dos EUA para depô-lo está sendo cada vez mais comparado à intervenção do Kremlin na Síria em nome do presidente Bashar al-Assad. Em 2015, o envolvimento russo mudou a maré na guerra civil da Síria, preservando o poder de Assad e elevando Moscou a um aparente criador de reis no Oriente Médio.

"Há um entendimento de que a [Venezuela] é um teste bastante sério para a capacidade da Rússia de agir em defesa de seus interesses globalmente", disse Dmitri Trenin, chefe do centro de estudos independente Carnegie Moscow Center.

Não está claro se a intervenção russa será suficiente para combater os apagões em todo o país e a escassez de gasolina que agravam a crise humanitária que deixou milhões sem o a alimentos e remédios suficientes. O dinheiro da Rússia, argumentam muitos, não é suficiente para manter Maduro no poder.

No entanto, juntamente com o apoio da China, os esforços da Rússia parecem ter, pelo menos, aliviado algumas das pressões imediatas. A chegada de militares russos neste mês pareceu sinalizar a disposição de Moscou de aumentar seu apoio a Maduro, bem como preparar sua máquina de guerra em um momento em que a istração Trump não descartou uma intervenção militar.

"É um jogo de xadrez ideológico. A Rússia não precisa do petróleo venezuelano", disse Russ Dallen, sócio-gerente da corretora Caracas Capital Markets, com sede na Flórida. "A Venezuela está longe de suas linhas de suprimentos. Foi mais uma oportunidade de colocar o dedo no olho do Tio Sam no quintal dos EUA."

Apoio moderado

A China – outro benfeitor de Maduro – ofereceu um apoio mais moderado. Na semana ada, Pequim barrou o representante de Guaidó de uma reunião agendada na China do Banco Interamericano de Desenvolvimento, levando o banco a cancelar o evento. No mês ado, a China se juntou à Rússia para vetar uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, elaborada pelos Estados Unidos, pedindo uma nova eleição presidencial na Venezuela.

No entanto, as autoridades chinesas – ávidas por defender seus investimentos na Venezuela – há anos jogam dos dois lados da rede, realizando reuniões regulares com a oposição de Maduro. Em fevereiro, diplomatas chineses conversaram com altos funcionários da oposição em Washington, segundo duas pessoas familiarizadas com as reuniões. O argumento da oposição: Seus investimentos estarão seguros se Maduro cair.

Na sexta-feira, o governo de Maduro anunciou um presente chinês de 65 toneladas de suprimentos médicos. O anúncio foi feito no mesmo dia em que a Cruz Vermelha anunciou que começaria a distribuição neste mês de uma ajuda em grande escala para 650 mil venezuelanos que enfrentam as piores condições.

"Esta ponte aérea que estamos construindo com a China representa um investimento importante em nosso povo", disse Tareck El Aissami, ministro das Indústrias de Maduro, a repórteres em Caracas.

Acordos da era Chávez

A cooperação russa com a Venezuela data de acordos de armas fechados com Hugo Chávez – o antecessor e mentor socialista de Maduro. Entre 2006 e a morte de Chávez em 2013, a Venezuela comprou quase US$ 4 bilhões em equipamentos militares russos, incluindo cerca de 5 mil mísseis terra-ar MANPADS.

A cooperação militar levou a enormes investimentos da Rússia no setor petrolífero da Venezuela e a uma disposição de conceder empréstimos em condições favoráveis. No início de dezembro, dois bombardeiros russos de longo alcance Tu-160 chegaram ao aeroporto internacional na região de Caracas. A aeronave russa depois participou de exercícios conjuntos.

Mas a Rússia tem muito menos poder de fogo para, teoricamente, implantar na Venezuela do que na Síria – em parte porque a Venezuela está tão longe. A Rússia não possui uma base militar de pleno direito na região, e seu único porta-aviões está fora de operação.

"Haverá apoio político e moral", disse Fyodor Lukyanov, analista de política externa russa que assessorou o Kremlin. "Mas a Rússia não pode enviar um contingente armado para lá. Não é realista."

Socorro russo

No entanto, linhas econômicas podem ser mais importantes para a sobrevivência de Maduro. As sanções dos EUA emitidas em janeiro impediram a Venezuela de vender seu petróleo bruto para as refinarias norte-americanas destinadas a processar seu óleo cru de alta viscosidade. Este mês, o embarque e desembarque da Venezuela tem sido caótico em meio a apagões de energia em todo o país. Mas pelo menos um petroleiro deixou a Venezuela para a Índia, transportando petróleo bruto venezuelano para uma refinaria de propriedade da Rússia, disse Dallen, o corretor da Flórida.

Antes das sanções dos EUA, a Venezuela exportava petróleo bruto para os Estados Unidos e importava a gasolina refinada. As sanções deixaram Maduro lutando para resolver uma súbita falta de gasolina. Ivan Freitas, líder sindical da PDVSA, disse que os relatórios dos trabalhadores portuários com o aos horários dos navios mostram que a Rosneft entregou pelo menos um carregamento de 300.000 barris de gasolina à Venezuela no mês ado, com cerca de mais 1,6 milhão de barris esperados, mas ainda não confirmados.

"A Rosneft se tornou a salvadora da PDVSA", disse Freitas. "A ajuda da empresa está ganhando tempo para Maduro."

A Rosneft não respondeu a um pedido de comentário.

A assistência russa se estende além da indústria do petróleo. No mês ado, Moscou entregou 7,5 toneladas de suprimentos médicos e prometeu enviar 7,7 toneladas a mais. Apesar da ajuda mínima diante dos problemas imensos enfrentados por hospitais com pessoal insuficiente, poucos recursos e em deterioração em toda a Venezuela, a ajuda russa forneceu a Maduro um golpe de relações públicas.

Dentro do Hospital Ana Francisca Pérez de León, no leste de Caracas, na sexta-feira, sua diretora pró-Maduro, Zayra Medina, disse que a ajuda russa chegou em 23 de fevereiro, escoltada por um russo, um tradutor e um homem com uma câmera de vídeo. Ela disse que o hospital usou o material em cerca de 10 dias.

"Esperamos que eles continuem nos ajudando", disse ela. "Eu me sinto feliz sabendo que não estamos sozinhos. A Rússia está nos ajudando a salvar vidas no meio de uma tempestade."

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