“Só se avalia a perspectiva coletiva, mas tem que ter critérios de priorização. A politica de saúde é feita no interesse coletivo. No processo judicial, é individual. Nesse aspecto, os juízes avaliam apenas a questão individualizada sobre o pedido do medicamento. Há um descomo nesse sentido, da tutela individual e da tutela coletiva”, comenta.
Sobre o direito constitucional à saúde, Schulze explica que a interpretação deve seguir o entendimento coletivo – o que pode gerar a judicialização. O magistrado cita que existem mais de sete mil doenças raras e ultrarras catalogadas, e que às vezes é difícil o sistema atender algo tão específico.
“A Constituição não garante que vai dar tudo pra todos. São prioridades, devemos discutir de forma democrática. Qual é a melhor forma de alocar os recursos disponíveis? Tem que ter critérios.”
Por maioria de votos, os ministros decidiram que o Estado não é obrigado a fornecer medicamento de alto custo sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli foram vencidos. A matéria foi analisada em repercussão geral no plenário, o que significa que o entendimento vale para todos os casos.
No entanto, para os ministros, determinados pré-requisitos devem ser preenchidos para a concessão do remédio em caráter de exceção.
Entre os itens que devem ser atendidos para o pagamento do medicamento, por parte do Estado e autorizado pela Justiça, os ministros entenderam que o paciente deve comprovar:
Para o diretor clínico do Hospital Pequeno Príncipe (HPP), Donizetti Giamberardino, o Sistema Único de Saúde (SUS), no papel, é um dos mais ousados do mundo.
“Está escrito que há cobertura ampla, mas na prática isso não está disponível, o que causa judicialização. É muito útil para o direito individual, mas conturba o direito coletivo das pessoas, criando desigualdades”, explica.
Para Giamberardino, a judicialização da saúde é causada por interpretação subjetiva envolvendo o direito à saúde individual. “É uma situação muito difícil. O médico tem que pensar nas necessidades daquele paciente. Já os juízes precisam pensar no coletivo. Em função disso, temos essa judicialização”, comenta.
O especialista alerta que muitos casos de pedidos de medicamento de alto custo vão parar na Justiça pela falta de clareza, sobre o que é ou não coberto pelo SUS.
“No Brasil, fica em aberto para ser decidido por sentença e prescrição médica. Às vezes precisa ser mais claro. Não é retrocesso, temos o sistema [de saúde] mais avançado do mundo, mas ele não entrega tudo que promete”, questiona.
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Os ministros do STF também devem julgar outro item sobre saúde: a solidariedade dos entes federados. A decisão, em repercussão geral, analisa o fornecimento de medicamento de alto custo para pacientes que tenham decisão judicial favorável.
Uma das teses prevê a obrigação conjunta de municípios, estados e União. No entanto, os ministros ainda devem definir sob quais critérios cada ente será responsável para fornecer os remédios considerados caros e não disponíveis no SUS. O julgamento foi adiado para a próxima sessão no plenário.
O voto do ministro Alexandre de Moraes sobre o fornecimento de remédios sem registro chamou a atenção. Ele ressaltou os gastos da Advocacia-Geral da União (AGU) com processos que obrigam o Estado a fornecer o medicamento.
Em 2011, os valores eram inferiores a R$ 200 milhões. Porém, segundo dados da AGU, em 2018 foram gastos R$ 1,3 bilhão. “Crescimento exponencial desses valores que são destinados a poucas pessoas e acabam fazendo falta a milhares de pessoas", completou Moraes.
O ministro ainda questionou sobre os valores gastos com um número pequeno da população e defendeu uma análise criteriosa para a concessão dos medicamentos de alto custo.
“Embora o Judiciário tenha autoridade para conhecer dessas demandas, deve garantir que não haja prejuízo de toda uma coletividade em virtude de casos específicos que não acabam tendo a análise da eficácia, a análise da própria eficiência daquele tratamento na doença", disse Moraes.