Hospital Central de Wuhan. No dia 18, Ai Fen, diretora do departamento de emergência, encontra o primeiro caso de um idoso de 65 anos com uma pneumonia desconhecida revelada por tomografia dos pulmões. Este senhor era entregador do mercado de Huanan. No dia 24, uma amostra coletada dele é mandada para uma empresa de sequenciamento de material genético, que dois dias depois identifica um novo coronavírus. Até o dia 28, o hospital identifica sete casos, quatro deles ligados ao mercado.
  • Hospital Jinyintan, o melhor centro de doenças infecciosas de Wuhan. Ele recebeu 41 dos primeiros pacientes, transferidos de outros hospitais entre o dia 29/12 e 2 de janeiro. Vinte e sete deles tinham conexão com o mercado.
  • Hospital Provincial de Hubei. Primeiro a relatar a misteriosa nova pneumonia para autoridades do distrito, da cidade e da província. No dia 26, itiu um casal de idosos com os padrões da covid nos pulmões, que também foram achados em seu filho. São considerados o primeiro grupo pela OMS. Não tinham conexão com Huanan. Porém, nos três dias seguintes, o Provincial recebeu quatro trabalhadores do mercado com sintomas.
  • Hospital Zhongnan, a 15km do mercado de Huanan. No dia 31, encontrou dois pacientes com ligação ao local. Até o dia 3 de janeiro, somaram-se três outros casos, uma família sem essa conexão.
  • Cerca de metade dos primeiros casos nesses hospitais, conclui Worobey, têm algo a ver com os animais silvestres vendidos em Huanan, direta ou indiretamente. Alguns jornais interpretaram a análise do cientista como se ele tivesse encontrado o “paciente zero”. O próprio artigo desmente essa interpretação: deixa em aberto se os reais primeiros casos realmente vêm do mercado, devido à baixa taxa de hospitalização (7%). Há amplo espaço, entre os 93% outros casos projetados, para qualquer padrão envolvendo o mercado se dissolver.

    Worobey favorece a origem natural ligada ao mercado porque não vê um padrão de vício na amostra dos primeiros pacientes, como o vício que viria de amostrar os pacientes por causa do local — os pacientes do Jinyintan, por exemplo, foram agrupados por sintomas. Além disso, nas linhagens identificadas do vírus nos primeiros pacientes, linhagens A e B, o cientista especula que ambas podem ter sido eventos independentes de salto do vírus de animais para humanos. Junto à presença confirmadas de cães-guaxinins em Huanan, Worobey considera esses fatos “fortes evidências” de que essa foi a origem da pandemia.

    Pontos a favor da origem laboratorial ignorados pela Science

    Como ite o autor, nenhum animal de Huanan ou dos outros mercados de animais silvestres foi testado para a presença do SARS2 ou seus parentes. Tudo o que Worobey pode apontar é a susceptibilidade dos cães-guaxinins, não espécimes com infecção confirmada que pudessem ter sido a origem do vírus. Worobey não oferece respostas a muitos dos pontos levantados por defensores da plausibilidade da hipótese rival, a origem em vazamento acidental de laboratório, que se desmembra entre vazamento de vírus coletado na natureza sem modificações e vazamento de vírus modificado em laboratório em experimentos de “ganho de função”, que é a inserção de capacidade maior de infectar células humanas.

    Entre os defensores da origem laboratorial estão o jornalista científico Nicholas Wade, em artigo publicado na Gazeta do Povo em maio, cuja fonte são os pesquisadores da rede independente DRASTIC, como Yuri Deigin e Rossana Segreto, cujo trabalho foi coberto há um ano neste jornal (enquanto outras publicações tratavam injustamente a hipótese como “teoria da conspiração”), além de Alina Chan e Matt Ridley, com seu novo livro Viral, e o FBI. Eis alguns dos pontos não respondidos:

    Worobey curiosamente nem menciona no texto o IVW, onde eram realizados estudos de ganho de função em parte financiados com verbas americanas. Mas mostra o IVW em seu mapa. O especialista em mapas Daniel A. Walker, geólogo aposentado, não concorda com a interpretação que Worobey fez do mapa dos “primeiros casos”. Para Walker, o mapa não permite afirmar que os casos se concentram ao redor do mercado de Huanan. Ele foi atrás dos dados originais e não achou coordenadas exatas para cada caso registrado no mapa: “são endereços residenciais, mas as pessoas se deslocam numa cidade grande, especialmente para trabalhar. A figura inclui localizações de hospitais. Pode-se alegar que os endereços se agrupam em torno de hospitais. Como sabemos, os hospitais são fontes notórias de surtos de COVID”.

    Quanto à revista Science, o jornalista investigativo Paul Thacker vê com suspeita as atividades dos jornalistas de ciência que escrevem para esta publicação, para a revista Nature e para o New York Times, que parecem enviesados a favor da origem natural e contra a origem laboratorial.

    Como exemplo, Thacker discute a cobertura que essas publicações deram no mês ado à descoberta de vírus do Laos, como o vírus Banal-52, que deixou de fora o papel do IVW em fazer essas coletas e guardar as amostras, e não mencionam que este vírus não tem o sítio de clivagem da furina. O Banal-52 é o vírus com maior semelhança genética com o SARS2, acima apenas do vírus RaTG13, tirado de fezes de morcego e guardado no IVW (que alega que a amostra foi exaurida). Porém, ambos têm semelhança entre 96 e 97%. Ou seja, os vírus de morcegos achados no Laos, apontados como mais evidência de origem natural, nos levam de volta ao Instituto de Virologia de Wuhan.

    Um novo estudo de Steven E. Massey, da rede DRASTIC e Universidade de Porto Rico, estudou mais a fundo o RaTG13. Massey aponta que as características genéticas do vírus tornam improvável que o IVW esteja dizendo a verdade quanto ao vírus vir de fezes, e que apontam que na verdade esse vírus foi mantido em tecidos vivos de morcegos ou linhagens de células.

    O líder de notícias da Science diz que a revista cobrirá novas informações que apoiem a hipótese de origem laboratorial, quando surgirem. Porém, Thacker acusa a revista de ignorar essas informações enquanto dedica “sete horas ao Peter Daszak (sério, sete horas!) para escrever quase 5 mil palavras que não dizem nada de novo, mas põem uma aura favorável no Daszak, um resultado celebrado pelo editor chefe da revista”. “Daszak”, acrescenta Thacker, “bloqueou a maioria das pessoas no Twitter que ousaram fazer perguntas difíceis a ele”. O autor desta reportagem para a Gazeta do Povo está entre os bloqueados.

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