Além disso, o sistema era amplamente descentralizado. Cada estado decidia como gerir seu modelo educacional e o currículo em sala de aula. Até 1930, não existia nem mesmo Ministério da Educação. Ali, teve início uma tendência centralizadora que se acentuaria nos anos 1960, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Na década de 1920, a escola, em muitos aspectos, pouco diferia daquela dos jesuítas, os fundadores das primeiras instituições de ensino brasileiras. A Igreja Católica ainda exercia, direta ou indiretamente, uma grande influência sobre o sistema de ensino. Mesmo com a criação de escolas públicas, no período do império, o modelo tradicional se manteve: a leitura e a aritmética eram as bases do ensino, acompanhadas de algum ensino moral ou religioso e, posteriormente, de noções de história e geografia. A educação física era rara.

Em 1921, a revista “A Escola Primária", publicada no Rio de Janeiro para auxiliar o trabalho em sala de aula, instruía os professores: "O ensino deve ser dado em aula, em conjunto, em turmas de oito ou dez alunos, lendo o professor no quadro mural a lição do dia, fazendo os alunos, em conjunto e depois cada um de por si, repetirem-na muitas vezes e em voz alta. Reproduzindo-a depois o docente por escrito e por partes no quadro preto, faça os alunos copiar as letras, as sílabas, as palavras, as sentenças uma e muitas vezes, até que possa ar ao ditado (também no quadro preto) dessas mesmas ou de outras combinações semelhantes.”

Quando eram ensinadas, a geografia e a história tinham como objetivo principal não o desenvolvimento do “senso crítico” em crianças que pouco sabem sobre a origem do próprio país, mas pretendiam situar o aluno no espaço e fornecer bons exemplos de conduta. Em uma lição sobre a Proclamação da República, por exemplo, o material é simpático a Dom Pedro II apesar de celebrar o fim da monarquia: “Diga a mestra que o nosso imperador, Pedro II, era bondoso, justo e sábio, cercava-se mesmo de brasileiros ilustres, muitos dos quais prestaram relevantes serviços à Pátria, mas o mal estava na forma de governo", orienta o material, também publicado em 1921 por “A Escola Primária”.

Como o sistema era descentralizado, alguns estados adotavam currículos diferentes. No Paraná, por exemplo, há pouco mais de um século, o governo estadual introduziu aulas de higiene pessoal, política, agronomia e economia doméstica. Mas a maior autonomia não escondia os problemas do sistema de ensino.

Verônica Branco, doutora em Educação e professora da Universidade Federal do Paraná, destaca que os professores da época não eram preparados adequadamente. “A formação dos professores era muito precária. Ainda nos anos 1960, havia a possibilidade dos professores cursarem apenas uma escola normal ‘regional’, o que significa que eles faziam o ginásio (equivalente do sexto ao nono ano) como se fosse uma Escola Normal”. Ou seja: eram professores que não tinham nem mesmo o equivalente ao Ensino Médio.

Em muitos casos, a situação era ainda mais grave, como mostram os registros históricos. “A politicagem que tudo sofisma e corrompe anulou as instruções da lei, indicando, em regra, para cargos de professores provisórios não pessoas capazes, mas sim dóceis instrumentos do partidarismo local", queixou-se, em 1914, o Diretor-geral da Instrução Pública do Paraná, Francisco Ribeiro de Azevedo Macedo. Ele prosseguiu, lamentando a falta de critérios de avaliação dos professores: "Chegando a ocasião dos exames, ninguém temia ser reprovado, havia aprovações em massa de professores quase analfabetos, salvo poucas e honrosas exceções".

Mas, há 100 anos, a educação brasileira estava perto de um ponto de transição. Foi o auge do embate entre os tradicionalistas e os integrantes do movimento “Escola Nova”, que pretendiam atualizar o currículo, dar mais liberdade ao aluno e reduzir o rigor do ambiente escolar.

O ponto mais marcante da ruptura foi o lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932. O texto, assinado por figuras como Anísio Teixeira e Cecília Meirelles, pedia um projeto educacional unificado, em vez dos modelos descentralizados, e advogava por um ensino universal, laico e gratuito, pelo menos dos 7 aos 15 anos de idade. “Se a educação está intimamente vinculada à filosofia da cada época, que lhe define o caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento pedagógico, a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida”, dizia o texto. Pela nova doutrina, o aluno aria a ser moldado de “dentro para fora”, e não de fora para dentro.

Em outra agem, o manifesto ecoa ideias marxistas. “A escola tradicional, instalada para uma concepção burguesa, vinha mantendo o indivíduo na sua autonomia isolada e estéril, resultante da doutrina do individualismo libertário”. O texto ainda defende o fim da separação dos alunos por sexo e cobra uma ingerência maior do Ministério da Educação. “Esse foi um movimento pela popularização da educação, que era extremamente elitista e não alcançava toda a população brasileira”, diz o professor Gilberto Lacerda, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).

Mas, para o professor católico Hermes Nery, um estudioso do assunto, o manifesto de 1932 teve consequências negativas: “Até os anos 20, quando a Igreja Católica exercia uma influência decisiva, havia um alto nível de ensino. A mudança de paradigma veio com a revolução de 1930 e a criação do Ministério da Educação, quando a educação ou a ser influenciada pelos pressupostos ideológicos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, afirma. A mudança foi gradual; pouco a pouco, o modelo tradicional foi substituído por um sistema mais dinâmico, que prevê uma participação ativa do aluno e que deixou para trás parte do conteúdo antigo, como o ensino do latim e do francês.

A escola de 100 anos atrás era, na maior parte das vezes, precária, com professores mal qualificados e em quantidade insuficiente. Ao mesmo tempo, priorizava e incentivava algumas virtudes, como o senso de hierarquia, a capacidade de concentração, a disciplina e o autocontrole. Talvez mais importante do que o método seja o objetivo final da escola: hoje, pais e professores concordam que, se bem-sucedida, a escola vai preparar os alunos para o “mercado de trabalho” ou, com sorte, para ar no vestibular.

O próprio manifesto da Educação Nova propõe uma escola "reconstituída sobre a base da atividade e da produção, em que se considera o trabalho como a melhor maneira de estudar a realidade em geral.” Há 100 anos, ainda havia uma concepção mais humanística e menos utilitarista. "Aquela escola buscava formar o aluno como pessoa em todos os aspectos, e não apenas no técnico. A educação visava formar uma pessoa capaz de ler, refletir pensar, escrever e desenvolver suas habilidades e potenciais por inteiro", afirma Nery.

***

Crédito da imagem: Arquivo da EEPG Orozimbo Maia, Campinas. Disponível em: SOUZA, R. F. Fotografias escolares: a leitura de imagens na história da escola primária. Educar, Curitiba, n.18, p. 75-101, 2001. Editora da UFPR. Link: https://www.scielo.br/pdf/er/n18/n18a07.pdf.

Receba as principais notícias do dia pelo Whatsapp

Use este espaço apenas para a comunicação de erros