Desafios do varejo

Os especialistas apontam que os desafios para uma marca estrangeira operar no varejo brasileiro são grandes. “Não adianta vir com um modelo pronto do exterior e aplicá-lo diretamente no país. É preciso 'tropicalizar' o modelo. Empresas que se instalam nos grandes centros têm uma concorrência já estabelecida que conhece bem o mercado. E se a opção é entrar pelo interior do país, vão se defrontar com fortes marcas regionais”, diz Gambôa.

Um dos grandes entraves do varejo estrangeiro no Brasil é o de entender a complexidade nacional. Uma das principais questões é a tributária. O relatório “Doing Business”, do Banco Central, aponta que o país tem o sétimo pior sistema tributário do mundo. Outra questão desafiadora para as empresas é a logística deficiente do país.

Há muito a ser feito no país para torná-lo mais atrativo para o varejo internacional. Segundo o sócio da KPMG, é necessário reduzir o chamado custo Brasil, oferecer mais previsibilidade e segurança jurídica às empresas. "Isso ajuda a tornar o país mais competitivo."

Outro desafio relevante no mercado brasileiro, aponta o presidente do Ibevar, é o de trabalhar com a concentração do mercado consumidor. Ele estima que, no Brasil, os 10% mais ricos são responsáveis por 45% do consumo, enquanto nos EUA e na Europa o mercado é mais desconcentrado, com a fatia dos 10% mais ricos limitando-se a 25% do consumo.

“O crescimento no consumo está associado a uma melhor distribuição na renda. Isso ocorreu em momentos como o Plano Cruzado [1986] e o Plano Real [1994]. A estabilidade econômica está associada à queda na inflação e a um crescimento no consumo”, explica o executivo.

Lição de casa

Há empresas estrangeiras que vem fazendo a lição de casa e aproveitando oportunidades no país, diz Felisoni de Angelo. É o caso dos ses do Carrefour, que, no fim de março, anunciaram a aquisição do Grupo BIG (ex-Walmart Brasil) por R$ 7,5 bilhões junto ao fundo de private equity Advent International e ao Walmart.

“O fundo [que tinha comprado, em 2019, 80% da participação do Walmart] antecipou uma transação em alguns anos e reou, com sucesso, o BIG ao Carrefour, que está se fortalecendo como um ecossistema de negócios”, diz o executivo.

A operação foi bem-vista pelo mercado. Analistas de varejo da XP Investimentos apontam que ela acelera de forma relevante a expansão, enquanto há muita sinergia a ser capturada, principalmente por meio de ganhos de produtividade e expansão do Banco Carrefour para os clientes BIG. Os ses também ganham mais presença nas regiões Nordeste e Sul.

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Efeito Covid

O socio-líder da KPMG vê boas oportunidades para o varejo brasileiro no pós-Covid. Em março, o comércio varejista já experimentava um crescimento de 0,7% no volume de vendas acumulado em 12 meses, comparativamente a igual período anterior, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É a primeira alta no indicador depois de cinco meses seguidos de queda ou estabilidade.

Um dos segmentos que tem se mostrado mais atraente é o de materiais de construção. Nos 12 meses encerrados em março, ele acumula uma alta de 16,1% nas vendas, em comparação a igual período anterior, apontam dados do IBGE. “Muitas empresas também investiram na criação de marketplaces”, cita Gambôa. Isto ajuda a criar oportunidades para consolidação do mercado.

Outro fator que pode assegurar um bom momento para o Brasil no cenário do varejo internacional é o fato de os ativos locais estarem baratos por causa da forte desvalorização do real. Em dois anos, a moeda brasileira perdeu cerca de 20% do valor frente ao dólar, mostram números do Banco Central. Ele aponta que é possível um crescimento nas operações de fusão e aquisição no setor.

“As empresas estão comprando o futuro. A preocupação da hora é com o momento pós-pandemia”, diz o especialista da KPMG. Isto, segundo ele, ajuda a explicar a alta no número de IPOs na B3, a Bolsa de Valores brasileira.

Nos quatro primeiros meses do ano foram 24 operações, o triplo dos negócios dos mesmos meses de 2020. O número corresponde a 53,3% do total registrado no ano ado, de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades de Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima).

O momento, segundo o presidente do Ibevar, é de consolidação do mercado. “Isto atinge principalmente pequenas e médias empresas.” O número delas, dos segmentos de comércio e reparação de serviços, com até quatro funcionários, caiu de 1,66 milhões, em 2013, para 1,28 milhões, em 2018, último dado disponibilizado pelo IBGE.

Esta é a quarta reportagem da série aporte Carimbado, que mostra os motivos para a saída ou reestruturação de multinacionais do Brasil nos últimos anos. Acompanhe a série neste link.