Somente no primeiro semestre, a União venceu dez de 14 julgamentos tributários realizados nas cortes superiores. Em um único caso, no qual o STF autorizou a União a cobrar IRPJ e CSLL sobre incentivos fiscais concedidos por estados via ICMS, o potencial de arrecadação adicional chega a R$ 47 bilhões, segundo cálculos atualizados pela Receita Federal. 50o5b
A ajuda do STF ao Tesouro inclui ainda o julgamento que relativizou a chamada coisa julgada ao “quebrar” uma decisão antes considerada definitiva sobre a cobrança de CSLL. Não há uma estimativa do potencial de receita que o caso deve gerar – a própria Receita considera um impacto fiscal “reduzido”. A decisão, no entanto, criou precedente para a possibilidade de decisões transitadas em julgado poderem ser revistas, segundo especialistas.
O Supremo formou maioria ainda para garantir a incidência de impostos federais como PIS e Cofins sobre receitas financeiras, como juros, em sentença desfavorável a bancos, corretoras de valores mobiliários, cooperativas de crédito e seguradoras. O impacto, para o Fisco, poderia chegar a R$ 119 bilhões, mas a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) calcula que o débito estaria em R$ 12 bilhões, uma vez que várias instituições financeiras já estavam pagando os tributos desde 2015.
Entre os casos que envolvem os Estados e o Distrito Federal, está a autorização para a cobrança do diferencial de alíquotas (Difal) do ICMS a partir de 5 de abril 2022 – contribuintes defendiam que o recolhimento valesse apenas a partir de 2023. O impacto estimado é de cerca de R$ 10 bilhões.
“É positivo para o país que o Estado brasileiro tenha suas políticas tributárias ratificadas pelo Judiciário”, disse o procurador Paulo Mendes ao “Valor”. Segundo ele, é um recado para as empresas de que o Estado vem agindo dentro da legalidade e da Constituição. “Imagine se metade dos tributos brasileiros fossem inconstitucionais. Seria um caos o país.”
Em outra decisão importante para as contas do governo – que, nesse caso não pode ser considerada uma derrota para o contribuinte –, o STF liberou o pagamento de precatórios por meio de crédito extraordinário, de modo a não infringir as regras fiscais. O entendimento permitiu que R$ 95 bilhões em dívidas reconhecidas pela Justiça fossem quitados em 2023 sem elevar o déficit primário.
A sequência de sentenças favoráveis à União pode ser atribuída em parte a mudança na relação entre o Executivo e os tribunais. Poucos dias após o início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ainda em janeiro de 2023, o governo instituiu o chamado Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais.
O grupo inclui Haddad, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, e o advogado-geral da União, Jorge Messias. “Nós vamos atuar tecnicamente nos tribunais com muita força”, disse o ministro da Fazenda ao anunciar a estrutura.
Entre os objetivos do Conselho está “fomentar a adoção de soluções destinadas a fortalecer e subsidiar as atividades dos órgãos de representação judicial da União, das suas autarquias e das suas fundações, no acompanhamento de eventos judiciais capazes de afetar as contas públicas”.
O próprio Haddad conversou diretamente com integrantes da 1.ª Seção do STJ durante o julgamento referente à tributação federal sobre incentivos estaduais. Dias depois, o grupo esteve ainda com o ministro do STF André Mendonça, para tratar do assunto.
Em setembro, o conselho divulgou um conjunto de medidas para “aprimorar o monitoramento de riscos fiscais judiciais”, que inclui, entre outras ações, “o estabelecimento de ações conjuntas com o Poder Judiciário para solucionar litígios”.
Em outubro, após receber Haddad e Messias, além dos ministros das Cidades, Jader Filho, e do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, e a presidente da Caixa, Rita Serrano, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, concordou em retirar de pauta um julgamento sobre o índice de correção do FGTS que estava marcado para o dia 18 daquele mês.
O expediente divide especialistas entre quem considera a interlocução como “parte do jogo” e quem vê interferência indevida entre diferentes Poderes.
“É notório que nos últimos anos os tribunais superiores estão relativizando os comandos contidos na carta constitucional, de modo a atender interesses políticos”, disse à Gazeta do Povo Luciano Ogawa, advogado tributarista sócio do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados.
No mês ado, em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, o ministro da Fazenda defendeu que o cumprimento da meta de zerar o déficit primário em 2024 não é prerrogativa exclusiva de sua pasta e incluiu o Judiciário na equação.
“Não vai ser um ministro que vai conseguir entregar um resultado. Eu dependo do Judiciário, dependo do Executivo e do Legislativo. E até agora eu não posso reclamar de ninguém”, declarou.
Em sua cruzada contra a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, Haddad já sinalizou que pode recorrer ao STF para questionar a decisão do Congresso de prorrogar o benefício até 2027.
“Não existe da nossa parte nenhum ânimo de antagonizar. Nós queremos uma solução. Então nós vamos buscar o auxílio do Judiciário neste caso, mas também vamos apresentar ao Congresso [...] uma alternativa ao que foi aprovado”, disse, em dezembro, antes da publicação da medida provisória (MP) 1.202, que estabelece a reoneração gradativa dos setores beneficiados pela medida.
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