Para ele, a situação fica mais grave uma vez que o governo prevê, por outro lado, uma redução nas alíquotas do imposto sobre produtos do mercado financeiro. Operações em bolsa de valores, em mercados à vista, a termo, de opções, futuros, day trade e cotas de fundos de investimento imobiliário (FII), além de investimentos em renda fixa, fundos abertos e fechados (multimercados), arão a ter taxa fixa de 15%.

“A pergunta que eu faço é: vale mais a pena abrir um negócio ou investir na bolsa de valores? Se você fizer um cálculo matemático simples, é muito mais interessante investir na bolsa e ter uma tributação de 15% do que precisar se incomodar em abrir uma empresa, ter funcionários, produtos, trabalhar 14 horas por dia, e assim por diante”, compara. “A proposta parece que veio ajudar muito os bancos, as corretoras e os profissionais que operam no mercado financeiro, mais do que empreendedores de fato, que geram emprego. Quando o dinheiro ficar no banco é mais barato do ponto de vista fiscal do que investi-lo em um negócio, desestimula-se totalmente o empreendedorismo.”

Tributação de dividendos se alia a países desenvolvidos, mas eleva a carga

O advogado tributarista Eduardo Muniz, da Bento Muniz Advocacia, explica que a ideia de se tributar dividendos está alinhada às práticas adotadas pela maior parte dos países desenvolvidos. “De certo modo, isso faz com que as empresas reinvistam mais os lucros do que o distribuam. Mas, do ponto de vista do impacto, certamente haverá aumento da carga tributária, porque a diminuição na alíquota do IRPJ é muito pequena comparativamente à da distribuição de dividendos.”

Ele defende ainda que o governo poderia ter aproveitado a oportunidade para estabelecer um sistema de progressividade na taxação de dividendos.

“Quando você tributa com uma alíquota de 20%, não está aplicando o princípio da capacidade contributiva. Um minoritário, que tem 10% de uma sociedade, é tributado com o mesmo porcentual que o majoritário, que detém 90%”, exemplifica o tributarista. “No meu entender, o princípio constitucional da progressividade como instrumento da capacidade contributiva deveria ter sido utilizado e não foi. Quem ganha mais, paga mais. O sistema proporcional, no final das contas, acaba sendo regressivo.”

Fim dos juros sobre capital próprio deve impactar sociedades anônimas

“Um aspecto não tão bom do projeto para a pessoa jurídica é deixar de usar o instrumento dos Juros sobre Capital Próprio [J], que acaba diminuindo a base de cálculo do IRPJ”, avalia o professor de contabilidade financeira e tributária da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Murillo Torelli Pinto. “Era uma coisa brasileira, um evento tupiniquim”, explica.

O projeto de lei do Ministério da Economia prevê a extinção do mecanismo. Também uma forma de distribuição de lucros entre acionistas, o J difere dos dividendos por ser tratado como despesa no resultado da empresa, de modo que o pagamento de tributos cabe ao investidor. O instrumento surgiu em um contexto em que havia dificuldades para as empresas terem o a crédito no setor financeiro.

“Foi uma figura jurídica construída para que os sócios refinanciassem a empresa e recebessem juros sobre esse refinanciamento”, explica o advogado tributarista Eduardo Muniz. “É muito utilizado sobretudo nas empresas constituídas como sociedades anônimas. A mudança vai trazer um aumento de carga adicional para esse perfil de empresa, e o governo vai dar uma mordida em uma fatia que não vinha sendo tributada.”

Apesar disso, o tributarista considera que a medida é adequada ao momento atual: “É uma técnica de tributação que está mais compatível com a realidade do mercado. Hoje as empresas não se autofinanciam mais, já que conseguem crédito no mercado. Muitas faziam isso para fugir dos impostos. O governo entendeu que não fazia mais sentido manter”.

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Redução no prazo para compensação de prejuízo fiscal pode desestimular projetos de longo prazo

Outra mudança prevista é a uniformização do prazo para apuração do IRPJ e da CSLL, que hoje pode ser feita anual ou trimestralmente. A proposta do governo é que o processo seja realizado a cada três meses por todas as companhias. Conforme o projeto, será permitido compensar 100% do prejuízo de um trimestre nos três seguintes. A justificativa, segundo o Ministério da Economia, é “dar uniformidade aos regimes de tributação, reduzindo o tempo gasto para a apuração de impostos, reforçando o caixa das empresas e favorecendo setores impactados por sazonalidades”.

“É uma meia verdade”, avalia Luís Wullf, do GFBR e do Tax Group. “Algumas empresas entram em crises econômicas e demoram muito tempo para se recompor”, explica. “O lucro real anual, da forma como está posto hoje, permite que você consiga melhorar seu fluxo de caixa conforme as receitas vão entrando e, dessa forma, abater os prejuízos do ado. A legislação vigente do Imposto de Renda permite que eu compense os chamados prejuízos fiscais desde 1996. Com a migração para a apuração trimestral, encurta-se muito esse período.”

Segundo o consultor tributário, as maiores economias do mundo trabalham permitindo que empresários abatam prejuízos nos exercícios seguintes para fins de determinação do lucro real. “Algumas atividades não têm uma sazonalidade tão curta. Por exemplo, você vai construir uma usina hidrelétrica, que beneficia milhares de famílias e gera energia elétrica limpa. Esse é um projeto de oito a dez anos, e você não vai poder aproveitar esse prejuízo lá na frente.”

Nem todos os negócios em um ano estão aptos a serem já recompostos em termos de imposto, diz Wulff. “Muita empresa que vai fazer projeto de longo prazo, de infraestrutura, pode se desestimular com esse modelo de tributação”, afirma.